Há muito, muito tempo, venho me manifestando contra a cobrança de inscrição em eventos acadêmicos. Via de regra, e não só no Brasil, as grandes associações científicas são as que organizam eventos mais grandiosos e caros. A despeito do fato de que essas associações já ganham dezenas (diria que mesmo centenas) de milhares de reais todos os anos com a cobrança de anuidade aos seus membros, o dinheiro nunca é suficiente. Pode a CAPES, o CNPq (ou seus equivalentes em outros países) injetarem rios de dinheiro nesses principais eventos, que eles vão continuar cobrand - e caro - do público. Quem paga a conta? O público!
é contra essa política injusta que, mesmo sendo um outsider e um sujeito politizado e combativo na academia (e essas são características que aumentam minhas chances de desemprego após o doutorado), venho me levantando sistematicamente contra essa prática. Mas não apenas por parte das grandes associações, essas degeneradas que mais parecem empreendimento capitalista, em que “fazer caixa” vira prioridade e o público tem de pagar caro (se for associado) ou muito caro (se não for associado). Pra mim, isso vale virtualmente pra todo e qualquer evento.
Não interessa se a inscrição custa 500, 100, 50, 20 reais. Eu vou questionar. Eu não vou achar justo. Claro, a situação é ainda mais grave quando se utiliza da estrutura das universidades públicas para organizar tais eventos, é quase como uma privatização do espaço, mas como isso (geralmente) não é possível vira uma exclusividade de acesso a certificados através do pagamento da inscrição. Tá errado de todo jeito!
O que é que justifica esse custo (independente de alto ou baixo)? Há transparência? Parece que não… Esses custos são REALMENTE inevitáveis, ou é fruto de ESCOLHA, de PROJETO e de MODELO que é privilegiado pelos seus organizadores? Não que eu negue custos em toda e qualquer hipótese, mas em geral o problema está nos PROJETOS pensados e privilegiados desde o início, e esses projetos certamente NÃO têm como prioridade facilitar o acesso das pessoas aos eventos e (especialmente) aos certificados. Depois, choram uns teóricos hipócritas (ou denunciam com razão uns militantes)… Ah, a universidade está muito distante da sociedade!
O que justifica cobrar 20 reais num evento realizado dentro da universidade pública? é imprimir umas programação marota? Porra, se garantam aí… Não conseguem um apoio ou tirar do próprio bolso pra organizar o evento? Se não conseguem grana pra bancar o que querem, vão simplesmente continuar jogando nas costas do público essa conta? Já organizei quatro eventos grandes sem precisar cobrar nada do público e sem nenhum apoio financeiro de instituições, quais seriam as suas razões pra não fazer isso e ter de cobrar?! Se TEM que repassar algo pro público, eu prefiro nem fazer! Mas se adaptar o projeto, dá pra fazer, porra! Sem cobrar nada do público.
Hoje, novamente, voltei a esse tema. Um evento de “mayistas” (Encuentro Internacional de Mayistas, pra deixar muy claro) no México, dentro da própria zona maya, vai cobrar 500 pesos (~R$120) por pessoa que queira participar. Isso que o negócio vai acontecer online, via Zoom (outra escolha equivocada, já que trata-se de ferramenta prioritária)! Vi o evento através de um “amigo” no Facebook, e comentei (em espanhol): “bom, mas caro. necessitamos de mais opções sem custo para la gente”. Esse pequeno comentário foi razão suficiente para a coisa se desdobrar, já que o aparente “dono” do evento veio responder-me num tom nada amistoso, mesmo de deboche, para não dizer ataque. Outros não demoraram a aparecer, dando a impressão de serem de uma rede mobilizada pelo tal dono “contra mim”.
A coisa só piorou, mas se antes eu fiz a crítica sem nem conhecer o evento direito (ainda que tivesse visto sua divulgação em anos anteriores), apenas pelo custo, todo esse “escândalo” que um simples comentário causou serviu para que eu conhecesse um pouco mais da história do evento. Bem, está em sua terceira edição e, anteriormente, organizou seu evento em Playa del Carmen, uma cidade turística não muito longe (~60km) de Cancún. Para piorar, o evento em si foi realizado em um hotel, e os palestrantes foram hospedados em um hotel que cobra em dólar, e que teria o preço normal de diária em 140 dólares, segundo fonte confiável.
Outra fonte me dizia: “essa gente é meio dissidente dos acadêmicos”, num sentido já de colocar dúvidas tanto sobre a qualidade das apresentações, quanto sobre o critério de apresentadores. E de fato, parece algo meio outsider. PORÉM… O projeto, a política, a cobrança, a “lógica” de que o público tem de bancar viagens e hospedagens de palestrantes… Tem algo mais “acadêmico”, num mau sentido, do que isso?! Quer dizer, os caras dizem não ter um “puto” no bolso, mas ESCOLHERAM um projeto em que “se valoriza o palestrante”, em que o evento é organizado em hotéis, etc. Você, SE quiser participar do evento, que pague! Quando um evento se propõe a difundir a cultura maya ou o que seja, mas coloca uma barreira, uma paywall, até que ponto ele está realmente cumprindo com seu objetivo? Ao contrário, parece criar um ambiente exclusivo e elitizado, que é mais do mesmo nesse campo já tão elitizado.
Os defensores se puseram a defender tudo isso, falando um monte de besteiras… A seguir, vou responder a alguns dos argumentos que apareceram, e que são na verdade recorrentes (e, às vezes, mais parecem ad hominem).
“Ah, mas as pessoas só valorizam o evento se tiver algum custo”
MENTIRA! Organizamos o Encontro Ibero-Americano de Estudos Mayas desde 2017, sempre gratuito para todos, e em 2021 tivemos a primeira (e espero única) edição online, por causa da pandemia. Nem mesmo a junção dos fatores “gratuito” E “online” geraram desinteresse: ao contrário, tivemos palestra da Mercedes de la Garza (muito conhecida no campo dos Estudos Mayas e Mesoamericanos) e NENHUMA, NENHUMA pessoa com trabalho inscrito deixou de estar presente. Quer valorizar teu evento? Traz a Mercedes de la Garza, traz recém-doutores de qualidade como nós fizemos… Traz uma política diferenciada, tenha uma galera boa reunida e capaz de fazer RENDER OS DEBATES, como nós fizemos em todas as edições (e muitas vezes não se vê isso nos outros eventos todos por aí, caríssimos). Não é a mediação do dinheiro que vai garantir um evento de qualidade ou a sua valorização, muito menos uma quantia “simbólica” é garantia de que (1) a pessoa realmente vá ao evento ou de que (2) o evento vá ser de qualidade.
“Ah, mas os palestrantes merecem ser valorizados! Você quer que eles trabalhem de graça?”
Numa situação ideal, adoraria que palestrantes recebessem algum cachê financeiro por participações em eventos acadêmicos. Se tem verba institucional pra isso, ótimo! Conte com meu apoio… Mas quando você NÃO tem praisso,eˊjustorepassaressacontaparaopuˊblico?Claroquenao,naosoˊnaoeˊjustocomoeˊcovardia.Trata−sedeumeventocujoprojetoeˊfazercomqueopuˊblicopague.Pessoalmente,certamentemesentiriamuitovalorizado,felizequeridorecebendoalgumacompensac\caoporumapalestrapreparadacomcuidado,“pravariar”,masnomomentoemquesoubessequefoiopraisso,eˊjustorepassaressacontaparaopuˊblico?Claroquenao,naosoˊnaoeˊjustocomoeˊcovardia.Trata−sedeumeventocujoprojetoeˊfazercomqueopuˊblicopague.Pessoalmente,certamentemesentiriamuitovalorizado,felizequeridorecebendoalgumacompensac\caoporumapalestrapreparadacomcuidado,“pravariar”,masnomomentoemquesoubessequefoio do público que viabilizou isso, e que pessoas não puderam participar simplesmente por não terem como pagar… Não sei vocês, mas eu me sentiria mal. Ainda, em se tratando de um evento realizado DENTRO da zona maya, há acesso direto e fácil não só a especialistas como aos próprios mayas! é muito mais fácil organizar lá do que aqui. Entretanto, quem organiza um evento sem custo somos nós. Qual será a razão? é projeto! Se estão já na terceira edição, e “é assim que é”, então está bom assim pra eles, eles é que não querem mudar. Chegaram a falar: “pague você aos palestrantes, então!”. Cara, os malucos têm especialistas e os próprios mayas “no quintal de casa”, quê que tem que pagar?! Não existe custo incontornável, é projeto! Em nome de pagar hotel em dólar a palestrante, você, público, que pague a conta. E tenho dito!
“Ah, então nos diga aonde podemos fazer o evento sem custo?”
Porra, mermão, tu é do México, mora no México, tá aí no meio dos mayas, cheio de mayas e especialistas do seu lado, cheio de universidade por aí, prédios públicos, parcerias que podem buscar… E SOU EU QUEM TENHO QUE LHES ENSINAR? Um evento no seu terceiro ano já tem um projeto bem consolidado, até. Quer dizer, pra me questionarem nesses termos, devo ser eu o revelador de uma novidade, de algo impensável até então. é claro que não é assim, é claro que isso é projeto e que se eles quisessem teriam encontrado alternativas por si próprios. Ou será que a minha “potente” crítica, que não passou de um “bom, mas caro”, realmente lhes mostrou um novo horizonte? Mais parece que os “interlocutores” no “debate” não queriam debater, estavam apenas incomodados e tentando provocar-me, ou talvez fazer com que eu, sozinho, formulasse a solução para eles. Não conseguiram nada até hoje? Claro que não, nem buscaram: é projeto!
“Ah, organiza o evento você então, vai lá, sabichão!”
Eu já organizo, porra! Desde 2017, internacional, de porte inclusive maior do que esse em questão (mas obviamente menor do que o das grandes associações), 100% gratuito para o público desde sempre. Em 2020, iríamos ter o evento no México, na mesma península do Yucatán, donde estão radicados os organizadores do evento. Tivemos de cancelar o evento por conta da pandemia, mas já estava tudo certo: ia ser 100% gratuito, lá(!), onde eles dizem não haver alternativa. Mas ok, o fato de eu organizar ou não um evento é um detalhe. Não é o organizar ou não que me dá (ou me tira) o direito de eu criticar o evento e as práticas, as políticas perpetradas no âmbito acadêmico. Ao me provocarem no sentido de dizer que deveria ser eu, então, a organizar o evento, o que as pessoas buscaram foi apenas silenciar-me, deslegitimar minha crítica. A mensagem é clara: “não critique, aceite quieto”. Desculpa, mas não!
BÔNUS: “Ah, mas eu tenho que investir na minha investigação, pirirí pororó”
Essa me veio dizer um outro, de origem europeia, e que aparentemente está muito melhor que eu, muito mais inserido no campo, “obrigado”. Supostamente, a pessoa nada tem a ver com a “treta” e com o evento que foi objeto da crítica, mas que saiu rapidamente em defesa de todas as posições de quem me atacava e fazia essas perguntas e provoacões baratas. E começou a falar de outros temas, como publicações e investigações. Beleza, ele tem que investir na investigação dele (seja lá qual é). E eu, mané, não tenho não?! Será que eu sou mais pobre que esse cara, pra ele vir mandar esses caô pra mim? Óbvio que não! Mas quem lê pode até achar que ele é o pobre fodido da história, e eu sou o rico “querendo que palestrantes trabalhem de graça”. Porra, quer vender palestra vai vender pra empresa, mané! Enquanto isso, eu não tenho meu campo de doutorado garantido, ainda, por falta de $$ mesmo. Será que essas pessoas vão me dar um puto peso ou quetzal? Maluco vem querer meter uma dessa… Ele deve ser mais pobre que eu, como alemão residente no México e bem quisto e procurado que é (sem ironias), coitado.
Aproveitando esse bônus, vou comentar rapidamente sobre outra falácia: é recorrente a retórica de que precisamos “investir em nossas carreiras”, especialmente quando somos meros “estudantes” (mesmo que de doutorado, como eu). E nisso, vale tudo: pagar para publicar, pagar caro para ir a eventos, etc, etc, etc. Isso é valorizado e incentivado. Mas quem é que consegue, realmente, fazer isso? Há de se ter dinheiro sobrando, além de vontade. Me faltam ambas, e acho todos os gastos incluídos nessa retórica não apenas desnecessários, como abusivos. Buscam naturalizar todo e qualquer custo que querem que você faça, pra que você simplesmente aceite e incorpore essa “necessidade” em “investir” na sua “carreira acadêmica”. Não caia nessa!
Weno, por hoje é isso.
“Ah, mas NA MINHA ÁREAAAAA é assim mesmo, tudo tem que pagar e é caro”
Tá, e você vai ficar acomodad@ até quando? Bora criar eventos e revistas gratuitos, oras! Pode não ser fácil, mas surpreendentemente não é tão difícil assim, muito menos impossível! Quem não faz nada para mudar (nem que seja criticar publicamente), é conivente e carreirista, jamais será um intelectual de coragem (mas terá mais chances de virar professor[a] concursad@ pra tornar as universidades mais medíocres, pelo menos, hehehehe). De minha parte, sou mais corajoso que intelectual, diga-se de passagem. Já viu coisa mais esnobe que intelectual? Ainda mais quando quer te convencer a “investir” na sua carreira, e que o valor nem é tão caro e se justifica. Não passam de relativistas da pior espécie.
As falácias e ataques, obviamente, não me intinimadaram nem intimidarão, e seguirei sendo muito crítico a qualquer PROJETO desse tipo, que busca fazer com que o público financie luxos de professores e palestrantes em eventos pelo mundo. Tá errado, é injusto, é uma parede que impede o acesso amplo e irrestrito aos saberes que circulam nas universidades e ainda por cima fode, sistematicamente, aos estudantes universitários.
Ainda que tenha repetido essa crítica há muito tempo (especialmente em relação à ABA - Associação Brasileira de Antropologia), acredito que seja esta a primeira vez em que me vejo envolvido nessa “polêmica” dentro do campo dos Estudos Mayas, no qual ainda estou inserido de alguma maneira (mesmo que os “cancelamentos” estejam vindo).
Mas precisamos avançar mais, questionar a verdadeira privatização de recursos no campo por parte de universidades estrangeiras e indivíduos. Até quando o patrimônio antigo maya terá donos egoístas e com poder para decidir se você pode ou não publicar algo? Há relatos de figuras, desenhos, imagens, fotos que, mesmo já sendo públicos, no sentido de já terem sido publicados, têm DONOS capazes de cobrar para ceder um desenho de uma inscrição maya, ou quem sabe uma foto (já pensou, ter de pagar 500 dólares pra poder colocar uma foto em um trabalho?). Mesmo se eu quiser reproduzir algo que fulaninho Já PUBLICOU no seu livro sei lá das quantas, eu corro o risco de ser processado. Até quando?! De minha parte, armarei estratégias contra isso, e para tensionar os mayanistas “famosos” por seu egoísmo. Não quer que os outros publiquem seu desenho? Ao menos as pessoas têm direito de saber quem vocês são…
Meu papel, como brasileiro outsider, seguirá sendo o de manter vigoroso nossos próprios exemplos, desde estas “periferias”, e botando dedo em ferida, sim. Precisamos de mais eventos acessíveis a todos, sem quaisquer barreiras econômicas. Já não bastam as barreiras que são os muros das universidades?!