Segundo o Facebook (Meta), minha conta “tem o potencial de alcançar muito mais pessoas do que o usuário médio do Facebook”. E, para minha proteção, eu sou *obrigado* a aderir ao programa chamado Facebook Protect, caso queira continuar a usar a plataforma, afinal (novamente segundo eles) “hackers [sic] são geralmente motivados a atacar contas que possuem muitos seguidores, comandam páginas importantes ou possuem alguma significância comunitária”. Bem, certamente nenhum dos casos mencionados se aplica a mim!
É bem verdade que mais “amigos” do que muita gente eu tenho, por lá (menos de 2,5 mil), mas o meu alcance sempre foi ridículo, tanto em termos absolutos quanto relativos (isto é, considerando o universo de quase 2,5 mil “amigos”). Um post qualquer raramente passa de 10, 20 interações, geralmente silenciosas. Não tenho dúvida de que pessoas com muito maior alcance do que eu ainda não foram “convidadas” a “aderir” a tal imposição.
Coincidência ou não, as únicas pessoas da minha rede que eu vi terem recebido a mesma “gentil” obrigação, no mesmo período que eu, andam se manifestando na contramão do “ocidente” no que se refere à recente guerra entre Rússia e Ucrânia. São pessoas que, como eu, andam desagradando a um punhado de europeus e estadunidenses justo neste momento. Minhas interações não aumentaram consideravelmente, a não ser por uma insistência pontual do meu coorientador da graduação, Nikolai Grube (mesmo assim, se passou de dez comentários foi muito). Fui pessoalmente “cancelado” (por ele e outros a ele alinhados) na primeira sugestão de que muitos “progressistas privilegiados” deliberadamente olvidam que existe história e toda uma correlação de forças, e que o imperialismo estadunidense tem sido nosso problema desde a guerra fria (para não voltar mais no tempo), e mais ainda quando se acharam donos definitivos do mundo (nos últimos 30 e poucos anos).
Será que o Facebook, hoje “um produto Meta” (assim como WhatsApp e Instagram), está sendo bonzinho comigo e tentando me proteger dos seus próprios estadunidenses e europeus? Parece pouco provável. Como um antropólogo que, desde a época do Orkut, mantém perfis em redes hegemônicas por causa da pesquisa com os calendários e com os mayas, serei realmente *obrigado* a aderir ao Facebook Protect, de modo a não ser excluído daquele espaço que, querendo ou não, talvez seja ainda hoje o mais popular entre mayas das novas e velhas gerações. Ver e entender como os mayas se colocam na rede e se posicionam é importante, afinal de contas, além da possibilidade de alcançar novos contatos e fazer circular as minhas ações neste e em outros campos.
Sempre tive um perfil de quem, volta e meia, faz posts políticos provocativos, mas nunca tive problemas com o Facebook, ainda que suas formas de controle da minha “timeline” fossem evidentes, a censura só me atingiu indiretamente. Em outros casos, inclusive da rede mayanista mais abrangente (como John Hoopes), o Facebook lhes afligiu direta e covardemente, já há mais tempo. Talvez estes meus anos todos provocando parte da “esquerda” brasileira não sejam tão relevantes quanto um único post provocando os “privileged progressists” situados nos EUA e na UE, doutores com diploma de “especialistas em Mayas” e “canceladores” oportunistas. Esta conjuntura apenas me motiva a levar adiante alguns projetos, já imaginados há anos, no sentido de fomentar uma maior apropriação tecnológica e maior liberdade e autonomia digital entre os próprios mayas.
Quem vê apenas a teoria do Facebook Protect pode achar que ter 2FA (autenticação em 2 fatores) e tudo mais somam apenas coisas positivas, mas para mim não resta dúvida de que isto é um “prêmio” do Facebook, em que minha conta foi “promovida” e agora é vista como mais digna de vigilância. Soma-se a isso o fato de que não há transparência no Facebook, ele é baseado em software proprietário, de modo que nem mesmo é possível ter uma noção mais clara das implicações em estar (ou não estar) dentro do programa Facebook Protect. Eu devo simplesmente confiar cegamente, e passar a ter o login às minhas contas mais controlado nos servidores do Facebook - mas em quais termos? Um controle baseado num mapeamento dos meus dispositivos pessoais, que passam a ser cada vez mais submetidos a “autorização” para o acesso não significam um ganho em termos de liberdade, mas um ganho para um Facebook em termos de monitoramento e controle.
Mais do que nunca, posso ser obrigado a aderir ao Facebook Protect, mas vou também aderir voluntariamente ao uso do Facebook exclusivamente através da rede TOR, em que minha conexão passa por várias camadas de servidores localizados em diversos outros países, ao menos dificultando mais rastreamentos cotidianos por parte do Facebook. Uso o TOR como um exemplo (o Facebook está acessível na rede TOR aqui), mas buscarei colocar mais e mais em prática qualquer alternativa que eu julgue pertinente no sentido de resguardar o mínimo de privacidade que puder, enquanto acessar tal rede.
Ou seja… Se puder, deixe a Meta fora das suas metas! Ou pelo menos aprenda a não orbitar as redes sociais hegemônicas, mesmo que seja estratégico para seus negócios manter uma presença nelas. Não entregue à Meta suas comunicações pessoais, nem suas ideias originais. Lute pela sua autonomia digital xD